terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Dureza de Vida


Barulho irritante e alto. Cabeça latejando. Saco havia esquecido novamente de trocar a droga do toque do despertador, qualquer dia quebraria ele só de raiva.
Cinco horas da manhã, pelo amor de Deus ninguém deveria ter que acordar àquela hora, queria poder acordar quando não tivesse mais sono ou quando lhe desse na telha. Queria acreditar que podia viver dos seus sonhos, que podia ganhar dinheiro trabalhando com o que gosta. Ser escritor era isso que queria. Queria muitas coisas, mas concerteza não queria trabalhar pegando no pesado, ouvindo comida de rabo do chefe, batendo cartão todo dia, comendo marmita requentada, ouvindo picuinha de colegas de trabalho, não tinha se matado de estudar durante onze anos para terminar os seus dias colocando ruela e borracha no parafuso.
Tinha vontade de chegar ao serviço e bem no meio do pátio, na hora do almoço com todos reunidos, subir na mesa e pedir a atenção de todos e quando todos estivessem voltados para ele surtar, quebrar tudo, ficar louco, falar tudo que queria na cara de todos, vomitar todas as injustiças que todos vêem, mas ninguém fala pra não perder o emprego, dizer como se sente mal por ter se esforçado ao maximo pra ser o funcionário ideal trazendo idéias pra melhorar a produção, sendo sempre o primeiro a chegar e o ultimo a sair, se mostrando sempre disponível, bem humorado, proativo e ver que na primeira oportunidade de promoção escolheram o Anderson, não porque era o mais brilhante, se fosse isso entenderia, mas porque era o mais influente, afinal era cunhado do diretor administrativo...
Queria xingar, brigar, abrir os olhos dos que estavam apáticos e dizer que isso não estava certo, que eles não podiam deixar isso acontecer...queria muito mas não podia... E não podia pelo mesmo motivo que seus colegas de serviço se calavam e fechavam os olhos para essa injustiça, não podia perder o emprego.
Se perdesse mais esse emprego não agüentaria a enchessão de saco da sogra. Amava a esposa, mas odiava a sogra. Ela queria que sua filha se casasse com alguém que lhe desse um futuro melhor, fosse bem empregado, ganhasse um salário gordo, tivesse faculdade, carro do ano, casa própria e não um sonhador metido a revolucionário como era Roberto. Então iria agüentar calado, como um bom funcionário tinha de ser, uma marionete nas mãos do patrão que só visava a mais valia.
Levantou. Tomou banho. Se vestiu. Pegou a marmita. Beijou a esposa e foi pro martírio... Não era vagabundo. Não mesmo. Só queria que o mundo fosse mais justo, que as pessoas fossem recompensadas pelo seu esforço, pela sua garra e pudessem trabalhar construindo seus sonhos. O mundo podia ser assim. Mas sabia que não era.
Pelo menos podia dormir mais meia hora na lotação, sempre tinha pelo menos um lugar vazio naquela hora. Sono geral. Comum àquela hora. Garoa fina pra variar, senão não seria São Paulo. Neblina impedindo a visão mais adiante.
- Vai fazer um calor danado hoje, sempre que tem neblina de manhã a tarde faz calor... - comentou um homem com a pessoa ao seu lado.
Sono. Fechou os olhos.
Busina. Gritos. Abriu os olhos e logo quis fechá-los. Só podia ser um sonho. Quem dera que fosse um sonho, tava mais pra pesadelo...
- NÃO AHHH...
Estrondo. Ferro retorcendo. Gritos. Sangue. Gemidos.
- Me ajuda socorro... Ecoava em seus ouvidos os gemidos dos sobreviventes.
Horror, era o que sentia, aquilo não podia estar acontecendo, só podia ser um pesadelo. Queria ajudar as pessoas, era o que ele mais queria, mas não podia estava preso entre as ferragens. Precisava de ajuda. Lembrou da esposa. Lagrimas. Queria acordar daquele inferno. Mas não iria...

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