sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Espírito Natalino


- Opa, vamos entrar – disse o homem que acabava de girar a chave, abrindo o portão.
- E ai Carlão como vai? Feliz Natal – disse um amigo lhe dando um tapa no ombro.
- Pra você também Joca, entra aí – disse fechando o portão assim que o amigo já havia passado – tá todo mundo ai, o André, o Marcio, a Ana...
Subiram um lance de escadas que levava a laje, onde estava acontecendo à festa, como eram grandes amigos Joca não fez cerimônias, caminhou até a churrasqueira que era pilotada pelo seu também amigo André.
- Desce uma maminha no capricho ai Toco – disse para o amigo que não passava de um metro e sessenta.
André até então atento as carnes se virou para cumprimentar o amigo.
- Pô, achei que você não vinha mais.
- Ah, tava trampado até agora pouco, metalúrgica é foda.
- Vixi, nem me fala...
A festa estava animada, recheada de amigos e familiares, o sambinha corria solto, tinha uma latinha de cerveja em mãos, do jeito que gostava, queria era mais se esbaldar, afinal também era filho de Deus, trabalhava feito louco de segunda a sábado, fazendo um horário super apertado como cobrador, tinha o direito de ir à forra, vira e meche era parabenizado pela organização da festinha, caminhou até a churrasqueira.
- Só na lingüiça?
André dignou-se somente a lançar um sorriso sem graça.
A festa avançou a noite, Carlos já havia bebido e comida o suficiente para uma vida, passava da meia noite, só restavam na laje ele, a esposa e amigo, o carvão despedia-se liberando seus últimos fios de fumaça.
- Grande festa Carlão – disse Joca com as mãos no ombro do amigo – vô nessa.
- Tá cedo – disse Carlos que usara este velho trato educacional durante toda a noite com seus convidados.
- É por isso mesmo que to indo, tá cedo, daqui a pouco já tá clareando – disse rindo.
- Tá certo – diz com a mão ao peito, suava excessivamente, a madrugada nem estava assim tão quente.
- Cê tá bem?
- Tô sim é só uma palpitação...ai...ah... - com a mão pressionada ao peito numa vã tentativa de controlar a dor Carlos ia de modo lento ao chão, tinha os olhos arregalados tanto pela pressão cardíaca quanto pelo espanto, nem sua esposa, nem seu melhor amigo o amparavam, pelo contrário olhavam como se saboreassem a funesta cena, porque aquilo? O que havia feito para eles? A dor queimava-lhe o peito, tombou cerrando os olhos.

*

- Vem, este mundo não o pertence mais.
Que voz era aquela? Era uma voz familiar, tinha certeza disto, abriu os olhos, estes por sua vez quase lhe saltaram da face.
A voz que ouvia de fato era conhecida, era a voz de seu pai, o pai que havia ajudado a enterrar há três anos, como aquilo era possível? O que ele próprio fazia ali, caído no chão? A mente parecia ocupada por um grande vazio, conhecia o cenário, era a laje de sua casa, sempre organizava um churrasquinho nos feriados, o que seu pai estava fazendo ali? Porque estava tudo preto e branco? Natal, era isso, estava comemorando o natal.
- Você estava. – disse o homem que parecia em muito consigo, excetuando os inevitáveis traços da idade.
- Como assim estava? O que é tudo isso? Estou sonhando não é mesmo?
- Não, não está.
- Eu não posso morrer.
O homem que em tudo parecia seu falecido pai deixou escapar um esgar de sorriso.
- O que lhe confere tal direito?
- Muitos são os que me querem bem.
- Site três.
- Fácil, minha esposa, o André e o Joca.
- Sério? Vamos a eles então.
Como se tivesse um véu lançado à cabeça, ao término da frase, da funesta imagem de seu pai Carlos, teve a visão oculta pelo breu.
- Então, foi tão ruim assim a festa?
- Pior, aquele cara nunca muda, sempre o mesmo gorducho idiota com as mesmas piadinhas sem graça.
Quando o véu que tampava-lhe os olhos foi liberado Carlos desejou que a venda os cobrisse novamente, tão duras palavras vinha de seu amigo André em conversa com a mulher.
- Grandes amigos hein? – escarneceu a macabra caricatura de seu pai.
- Me tire daqui, por favor.
- Tá certo, próxima parada.
Ouvia cálidos gemidos e som rangente de uma cama, o que seria aquilo? Desta vez com a venda lhe liberou a visão, o que via foi ainda pior,
- Joca...Eliza...juntos...na cama – murmurou o homem com o ódio cozinhando em mente – desgraçados eu vou matá-los – Carlos atirou-se sem sucesso na cama, antes mesmo que percebesse estava novamente em pé ao lado do funesto companheiro de jornada.
- Vamos? – indagou o companheiro
Carlos parecia deprimido, atônito, chocado, não acreditava em tudo aquilo, não merecia...
- Não cabe a você julgar o que foi ou não justo em sua vida, cabe tão somente a você o desejo de vir ou não comigo.
- Tudo bem podemos ir, não tem mais nada aqui para mim, mas me diz só mais uma coisa.
- O quê?
- Quem é você?
O homem deixou o tênue véu que mascarava sua real identidade cair, sua face era encoberta por um pesado capuz anexo a um sobretudo preto, tinha seguro a mão direita uma afiada foice de cabo longo.
– Sou o espírito do natal – sorriu.

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