quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Olá Cíntia



Escuro e perigoso. Ninguém na rua. Que porcaria de emprego, isso era hora de voltar pra casa? Uma e quinze da manhã, apertou o passo. Por mais difícil que fosse não poderia desistir, era isso agora ou isso para sempre, ou trabalhava na limpeza do metrô e pagava a faculdade pra melhorar de vida e um dia comprar seu carrinho ou ficaria a vida inteira trabalhando na faxina, pegando todo dia ônibus lotado bem cedo na ida e ônibus lotado bem tarde na volta. Precisava se esforçar. Trabalhar duro de dia e estudar a noite, mas a droga da facu tinha que ser tão longe? Não, não era a facu que era longe, longe era onde ela morava. A pior parte do caminho era agora, à hora de passar na passarela, já tinha ouvido histórias terríveis sobre pessoas que passaram por aquele trecho, porém não tinha jeito, era isso ou perder mais quarenta minutos até a passarela perto do posto policial que também não deixava de ser perigosa, só era menos... Descaso. Esta é a palavra que melhor descreve a atitude que o poder público tem para com o povo pobre, não que os traficantes de onde morava fossem melhores, mas pelo menos havia uma falsa sensação de segurança mascarada pela ingenuidade da comunidade, povo que se alegra quando ganha um botijão de gás das mãos do tráfico, sem saber quantas vidas aquele botijão custou. No final era tudo culpa do governo. Que só se importava em fabricar mais e mais força motriz inculta para girar a roda chamada progresso  deste país movido a ganância. Espantou-se ao perceber que estava pensando igual ao professor de filosofia. Riu. Seis meses na faculdade e já estava se achando a rainha da cocada preta, não pelo pensamento, sempre alimentou ódio pela impunidade e falta de oportunidade que acontecia todos os dias não só consigo, mas com todos de onde morava, gente que em pleno século XXI não tinham sequer esgoto tratado, mas sim pela complexibilidade do pensamento. Tudo o que possuíam era fruto da união de todos, que com muito esforço erguiam suas casas fornecidas de água e luz através de “gatos”. Curioso o fato de que os que menos têm são os que mais ajudam, ajuda vista como ato ilegal por parte de governantes incapazes não são de ajudar como também de entender a situação daqueles que não nasceram ricos, incapazes também de cumprir o que não deveria nem ser prometido e sim executado, os direitos básicos a vida, corruptos e gananciosos, burros o bastante para sentirem-se livres dos estilhaços gerados pelas bombas que armam.
Frio na espinha. Cíntia tinha certeza que havia visto alguém agachado lá atrás próximo ao muro se levantar e seguir em sua direção... Tinha que correr e até correria se suas pernas obedecessem. Porcaria por que não conseguia se mover? Próximo cada vez mais, seria este o seu fim? Não podia ser. Não queria morrer ali. Não antes de realizar suas ambições... Não antes de ajudar seu povo... Deus me ajuda... Nada.
- Perdeu morena perdeu... Passa a mochila... Passa logo essa merda senão eu passo você... Passa sem gracinha que eu não to pra brincadeira... - repetia incessantemente o criminoso provavelmente alterado pelo efeito de alguma droga.
O criminoso, de mãos trêmulas empunhando uma arma, olhos vermelhos e injetados. A vítima, paralisada pelo pânico, dos olhos escorriam lágrimas silenciosas, não só por ela, mas por ele também. Via desespero nos olhos dele, sabia que ele de certo modo sofria com o que estava prestes a fazer, mas também sabia que ele faria, faria pra sustentar o vício, sabia o que empurrava as pessoas para esse caminho, por isso não conseguia odiar o homem que estava com a arma apontada para sua cabeça, rezou...
Explosão...

Um comentário:

  1. Prende a atenção do inicio ao fim, um misto de suspense, terror, político e realidade...
    Estou ansiosa para ver os próximos.

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