quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Entrega


Mais uma porta, mais uma tentativa. Uma ultima e desesperada tentativa de dar certo. Caso dessa vez não obtivesse sucesso desistiria da droga desse emprego. Que idéia. Nunca fora bom com as palavras. Vendedor. Chega a ser irônico uma pessoa que sempre foi levado por idéias alheias agora tentando levar outras pessoas no papo, mas a pior de todas as idéias concerteza foi a de comprar vários exemplares desta maldita enciclopédia para revender, só ele era burro para cair nessa história – Não, pode comprar, lhe garanto é sucesso na certa, todos querem, elas se vendem sozinhas – murmurou lembrando-se das palavras do amigo que lhe empurrara as porcarias das enciclopédias. Amigo? Amigo nada, que tipo de amigo daria uma idéia dessas? Queria enfiar um murro no nariz do safado. Se a idéia fosse boa por que ele mesmo não estava revendendo enciclopédias de porta em porta? Sabia a resposta, ele não estava fazendo isso porque era mais esperto, esperto o bastante para empurrar essa porcaria pra outro.
Era hora. Frente a frente com um exemplar do objeto que ele mais vira e odiava naquele ano. Lembrou-se das portas. Todas elas se fechando na sua cara uma a uma. Nunca obtivera muito retorno, no maximo conseguiu vender dez exemplares e nem a própria mãe comprou. O dinheiro das vendas, que já era pouco, mais o que ele já tinha antes foram usados pra pagar algumas contas, comida e passagem nas infrutíferas tentativas de conseguir vender mais alguns exemplares.

- Quase um ano e pouquíssimas vendas - pensava ele enquanto tocava a campainha.

Era agora ou nunca. Vitima à vista, quer dizer, cliente. Este era alvo fácil, tinha cara daqueles que nunca dizem não, daqueles que eram chamados de tolos, otários. Assim como ele. Agora vai.

- Senhor gostaria de...

- Não.

E novamente a cena que se repetira incessantemente durante aquele ano aconteceu pela enésima vez. Porta na cara.

Exausto, cansado, irritado, gritou:

- Chega, eu desisto, não dá mais, sou oficialmente um fracassado, definitivamente não falta mais nada.

Cabisbaixo e mais desanimado do que nunca, empurra seu carrinho abarrotado de exemplares rumo sua casa.

Aproximando de sua casa avista um homem. Gordo. Careca. Quem seria aquele? Meu Deus era só o que faltava, não podia ser ele, mas era...

- Então Marcelo, não dá mais ou paga pelo menos o aluguel desse mês ou vai pra rua ainda hoje.

- Ma... mas senhor Luis não tenho como, os negócios não estão indo muito bem.

- Não me importo cara ou paga ou desocupa.

- Mas se o senhor tiver um pouco de paciência...

- Paciência o caralho Marcelo, pra mim chega, voce não passa de um cagão falido. Amanhã quero a casa desocupada. Quanto à chave, deixe-a na caixa do correio.

Agora sim, era comprovadamente o cara mais fudido de todos, o que fizera para merecer isso? Nunca fora bom para todos? Sempre ajudando como possível? Era isso que ele recebia em troca? Era esse o fundo do poço? Terminaria assim?

Não, não permitiria isso. Ligaria pra mãe. Voltaria pra casa. Reprogramaria sua vida. Não acabaria pedindo moedas pra desconhecidos pra comprar pão, claro que à própria mãe era exceção.

Por sorte, se assim pudesse chamar, tudo o que tinha no quarto alugado, com exceção do carrinho de enciclopédia, cabia no seu velho mochilão.

...

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