quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Aqui é assim... - Parte II


...
-Por favor – disse ela chamando atenção de um rapaz que tinha acabado de chegar no ponto.
-Que foi? – disse o rapaz visivelmente irritado.
-Nada moço, só queria fazer uma pergunta.
-Você tá vendo escrito na minha camisa “Posso te ajudar”? Você acha que eu sou atendente do balcão de informação?
-Não moço, deixa pra lá.
-Nada disso você começou agora termina, aqui é assim.
-Eu só queria saber se aqui passa o ônibus que vai pra Praça da Sé.
-Claro que não. É óbvio que não passa, qualquer idiota sabe disso.
-E onde que passa? – disse num tom baixo.
-Do outro lado da passarela caramba, agora vê se me deixa em paz.
-Brigada viu.
Passado alguns minutos chegou ao outro lado da passarela, logo viu o ponto de ônibus. Havia uma placa onde estava escrito os itinerários dos ônibus que ali passavam, Cícera pôde ver que Praça da Sé passava ali, se sentiu aliviada de não ter que perguntar a mais ninguém. O ônibus chegou e ela teve que apertar o passo para poder entrara com tanta mala.
-Vamos moça, não tenho o dia inteiro pô. – reclamou o motorista.
-Calma moço, já tá quase.
-Eu também já to quase...quase te botando pra fora do ônibus, aqui é assim, eu tô com pressa, todo mundo ai atrás também tá e você fica aí atrasando a vida de todo mundo pô.
Finalmente havia entrado, com certa dificuldade conseguiu chegar até a catraca.
-Onde a senhora pensa que vai? – disse o cobrador.
- Vou passar, ai te dou o dinheiro.
-Nem vem dona, já vi muitos tentarem me passar à perna com essa historinha, aqui é assim, primeiro o dinheiro depois você passa.
Olhou a sua volta, todos a olhavam com desconfiança. Cícera com muita dificuldade colocou a mochila no chão e começou a procurar a bolsinha de dinheiro, atrás dela protestos de quem queria passar e não conseguia “-Vamô logo minha filha, aqui é assim, se não vai passar não atrapalha...”
-Toma – disse ao cobrador, quando enfim, achou a bendita bolsinha, já irritada com a falta de educação de todos.
-Agora sim pode passar.
Espremeu-se entre a multidão que super lotava o transporte, sentia aquela angustia de não estar no seu lugar, se lembrou das palavras do motorista do ônibus da Rodoviária “Toma mais cuidado, aqui as pessoas são assim”, acabava de chegar a São Paulo e estava vendo como as coisas eram e não estava gostando nada do que via.
Na parada seguinte um empurra-empurra de pessoas tentando descer, ela cheia de malas sem ninguém pra ajudar e todos a olhando como se fosse um estorvo, sentiu um puxão na sua mochila, não conseguiu segurar, alguém tinha pegado sua mochila e descia correndo do ônibus.
-Minha mochila, alguém pegou minha mochila – mas não adiantava mais, o motorista já havia fechado a porta e o ônibus seguia. – alguém me roubou – disse desesperada ao cobrador.
-Não posso fazer nada dona, aqui é assim, bobeou dançou.
Notou o riso de deboche estampado na cara de alguns que ainda permaneciam no ônibus.
-Tá certo, riam mesmo, aqui é assim não é? Não se tem tempo para ajudar os outros, não se pode confiar em ninguém. Aqui é assim, se julga pela aparência, se ri das dificuldades alheias. Aqui é assim, cheio de ladrões, gente mal educada e mentirosos. Se aqui é assim, eu não quero isso pra mim, da onde eu vim não é assim.
No mesmo dia Cícera voltou pra Rodoviária e embarcou de volta pra casa.

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