segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Fora de alcance


- Quanto tempo Cleber e por favor seja franco.
- No máximo seis meses Raul, sinto muito.
Lágrimas. Não agüentava mais ver aquilo, quase quinze anos de medicina e não se conformava em ver vidas partindo. Sabia que não era sua culpa, entendia que fazia tudo que estava ao seu alcance para salvar vidas, dar a todos uma segunda chance, um conforto. Já tinha ouvido milhares de vezes de seus professores e colegas de profissão que somos apenas humanos e que não somos nós que decidimos quem vive e quem morre. Mas nada que fosse dito poderia tirar de suas costas o peso da dor que sentia por cada vida que não pode salvar, afinal era por isso que havia se esforçado tanto varando noite atrás de noite com a cara enfiado nos livros?
Não agüentava mais o sofrimento por se envolver com cada paciente como se fosse único, se apegar, estudar o caso a fundo, se dedicar ao maximo, rezar pela melhora como se fosse da família e ao final sofrer o luto como se fosse o primeiro... O que o animava a reerguer a cabeça e olhar pra frente era as varias vidas onde ele tinha feito a diferença. Isso realmente o alegrava, era revigorante ver um paciente que estava desenganado receber alta, mas era só colocar a cabeça no travesseiro a noite pros fantasmas da própria cobrança vir lhe assombrar.
Todos diziam que esse era o seu problema, se envolver demais, se cobrar demais, que ele deveria encanar menos, relaxar, afinal ele fazia o que dava, o que não dava...paciência...bola pra frente. Talvez estivessem certos, talvez ele devesse se cobrar menos, relaxar mais... Mas não era sim, não ele, não podia seguir com indiferença a dor dos outros. Sempre fora assim e mesmo que quisesse não poderia mudar sua essência que era o que fazia dele ser quem era.
E agora isto, vendo o seu melhor amigo chorando como uma criança na sua frente sem poder dar conforto, sem poder dizer - Deixa que eu resolvo isso pra voce.- ou - Que mal cara, mas daqui a pouco passa e voce ta pronto pra outra - Não, ele não estaria pronto pra outra e não havia nada que Cleber pudesse fazer a não ser chorar com o amigo...
- Não a nada que possa ser feito Cleber? Disse Raul com a voz extremamente embargada entre soluços.
- Sinto muito...
- Sente? Sente uma porra Cleber - o amigo diz aos berros - sou eu quem vai morrer não voce - desconforto, não devia ter dito aquilo - Desculpa cara eu não sei o que deu em mim - choro novamente - acho que sou estou assustado com tudo isso, não queria...
- Tudo bem Raul, eu quero que voce saiba que...que se eu pudesse...seu eu  pudesse daria minha vida por voce.
As palavras ditas por Cleber não eram ditas da boca para fora, não eram ditas apenas pra confortar o amigo, eram a mais pura verdade, sentia como se morresse junto com cada uma das pessoas que se despedia, queria fazer mais, mas não podia...

Nenhum comentário:

Postar um comentário